“Assistir ao espetáculo “Valsa nº 6” no Montenegro em
Cena desperta em mim um misto de alegria e satisfação. Primeiro destaco a
qualidade que o Grupo Art in fato consegue alcançar com a sua produção. Segundo
que vejo aqui neste coletivo a possibilidade da criação e pesquisa tão forte e
ousada, onde jovens atores unidos a uma também jovem diretora conseguem
alcançar resultados estéticos bastante apurados e equilibrados.
Parto da premissa de que se trabalhar com textos
conhecidos e clássicos sempre é um tabu, pois adaptar uma dramaturgia que já é
carregada de significados e que no momento em que a adaptação é feita, corre-se
o risco de traí-la, já é um desafio. Mas os jovens atores conseguem (e por
sinal muito bem) vencer esta etapa, conseguindo utilizar o texto do Nelson
Rodrigues como um pretexto para a criação de um espetáculo imagético, onde a
figura da personagem Sônia (que no original é uma personagem única porém com
uma personalidade esfacelada), aqui é diluída, dissecada, fragmentada,
coletivizada e experimentada pelo grupo de dez atores, que trazem a cena, os
fragmentos da mente atormentada de Sônia, assim como as figuras que permeiam a
sua alucinação como o Pedro e o Dr. Junqueira.
E é neste sentido que este Valsa nº 6 me surpreende, pois
consegue colocar em cena uma gama de signos teatrais e metafóricos que faça com
que o espectador se envolva com o trabalho, não por uma via racional, mas
através de uma linha sensorial, até porque talvez quem não conheça o texto, não
consiga se envolver aos pormenores da dramaturgia textual, mas consegue se
envolver através da dramaturgia cênica, que é extremamente original e viva.
Percebo a mão precisa da Bianca Flores enquanto diretora
e as possibilidades que ela explora ao criar sua encenação. Bianca propõe e
isto é muito saudável. Quando estamos dispostos a criar um trabalho coletivo e
nos colocamos nele com disponibilidade de propor, de arriscar e de brincar com
novas possibilidades. Quando isso acontece é louvável, pois neste caso a direção
tem muito material, muitas possibilidades para se criar e jogar e aí chega o
momento de potencializar certas escolhas, de ajustar tempos, ritmos, ocupação
do espaço, evidenciar algumas cenas, trabalhar as sutilezas, enfim, amadurecer
uma proposta que já se sustenta muito bem.
O espetáculo em sua totalidade é extremamente lindo,
repleto de ações físicas, de partituras cênicas e de um gestual que as vezes é
coletivo, se utilizando muito da figura do coro, as vezes tem ênfase em uma
atriz, enfim, o espetáculo consegue se comunicar muito bem com esta força
imagética e poética. Destaque para a cena do estupro, feita com sombras, e da
cena onde os rostos aparecem na parede, onde também se utiliza de um tecido que
dá um efeito sensacional a cena. E o bacana de ver é que estas imagens se
constroem e se diluem num ritmo alucinado.
Penso que a direção poderia investir mais nas transições
de algumas cenas, pois às vezes se constroem imagens belíssimas, porém são
muito rápidas não dando tempo do espectador se deleitar. Outra questão a ser
trabalhada seria a voz e articulação de todo o elenco, principalmente nas cenas
coletivas, pois fragiliza quando não está equalizada e uníssona. A cena que
atriz rompe com a quarta parede também não auxilia na encenação, pois a aproximação
com a platéia fragiliza as imagens que estão sendo propostas no palco e
fragiliza a relação da atriz com o espectador.
Quanto ao elenco, percebo que é coeso, entregue e está
muito disponível para experimentar, para arriscar-se e isso é muito bom, pois
quando encontramos jovens disponíveis a criação teatral que parte de princípios
e códigos que são experimentais na sua essência, vejo que temos aí, um terreno
fértil para que esta parceria se aprofunde cada vez mais. Não destaco ninguém
do elenco pois os atores estão num nível de representação muito coletivo,
ninguém joga sozinho, todos estão a disposição do todo, e isso é que é bacana
de se observar, quando todos estão jogando juntos.
Por isso ressalto que o Grupo Art in fato foi realmente uma grata surpresa, pois soube utilizar muito bem um texto conhecido a seu favor, nos oferecendo um trabalho de qualidade e beleza. Parabéns a todos e que esta experiência possa ser um trampolim para novos vôos.
Comentário Crítico feito por Diego Ferreira sobre a peça Valsa nº 6, do grupo Art In Fato de Tupandi.
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