quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Megera domada dos pampas

"A moça bonita da linha do trem" é o espetáculo de abertura do 3° Montenegro em Cena, e na minha opinião começamos os trabalhos muito bem. O espetáculo traz a cena a história de amor de Maria Helena e Danilo, história essa que tem como pano de fundo a colonização da região de origem do grupo.
O espetáculo é cheio de méritos a começar pela direção presente e eficiente de Marcos Cardoso, que consegue articular muito bem todos os elementos da encenação, assim como o elenco numeroso (14  jovens atores).
Quando o espetáculo começa salta aos nossos olhos o imenso cenário, que além de ambientar a peça tem um papel fundamental no andamento da história. Ele auxilia nas trocas de ambientes e climas e tem um serviço de contra-regragem bastante eficiente e preciso, realizado pelos próprios atores. Esta contra-regragem é o momento onde a teatralidade aflora na cena, é o momento em que os atores despojam-se de suas figuras para brincarem de fazer teatro, é o momento da quebra da ilusão, e isso é bastante positivo. O cenário móvel valoriza as cenas de ação e joga com o poder da imaginação do espectador, pois sugere a presença de um trem, provocado apenas pelo movimento de vagões e lanternas, assim como as galinhas dentro da gaiola, ou seja, elementos que estão presentes, mas provocados pelo imaginário criado pelo espetáculo.
Outro destaque é a dramaturgia que consegue criar uma narrativa que contemple tanto os elementos regionais que é um dos motes de pesquisa do grupo dentro de uma chamada Trilogia Campestre (esta é a segunda parte da trilogia), e consegue contemplar o elenco, distribuindo as figuras criadas, onde cada um tem um papel fundamental dentro da peça.
Como é bom ver um trabalho continuado com atores na faixa de 10 a 17 anos... É engraçado falar isso, trabalhado continuado com pequenos, mas neste trabalho percebemos no palco, as peculiaridades que são advindas desta prática.
A encenação é de uma limpeza na sua concretização, tudo está a serviço da cena conduzidos por um tempo-ritmo ideal para se contar a história. A iluminação é pontual sem grandes movimentações e trocas, assim como a trilha que tem o papel de pontuar as ações e trocas de cenas, as vezes utilizada de forma demasiada, as vezes para tentar provocar através da inserção sonora a emoção do público, fato que é desnecessário, senão vira melodrama, fica over, fato que não chega a comprometer, pois a ação já está me dando estes elementos direto na cena que não seria preciso de interferência sonora.
Os figurinos estão totalmente dentro da proposta da encenação, sem exageros, simples, porém conseguem dizer muito a respeito de cada figura representada.
As passagens de tempo são de uma sutileza poética que pela forma como são executadas cativam o espectador e voltar com o casal de enamorados ao final do espetáculo dá uma sensação de circularidade, pois aquele casal do final pode ser o mesmo lá do inicio, ou até mesmo pode ser um novo casal, até mesmo seus filhos, pois histórias assim sempre costumam acontecer.
E quanto ao elenco, posso dizer que seguramente é coeso na sua totalidade, todos estão entregues, não há como dizer que ator A é o principal e o B é coadjuvante, pelo fato que a direção consegue equalizar muito bem o jogo e a construção destas figuras, evidenciando o que cada um tem de melhor, e isso é tão bom de se ver em cena, quando todos conseguem brilhar a serviço da encenação.
O espetáculo está de parabéns, pela proposta de colocar no palco as suas histórias, seus dilemas, suas memórias construindo uma dramaturgia que se alimenta do seu chão, sua terra. O texto tem inspiração em "A megera domada" de Shakespeare, mas apenas parte de inspiração e motes, criando uma história totalmente original e bem diferente da do Bardo, conseguindo um resultado totalmente positivo. Está de parabéns por colocar em cena atores tão jovens (o mais novo tem 10 anos), e tão íntegros e entregues no seu ofício.
Vida longa ao Deixa Quieto e viva a diversidade cultural e regional!!!
Comentário Crítico feito por Diego Ferreira sobre a peça A moça bonita da linha do trem, do grupo Deixa Quieto de Salvador do Sul.



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